No Brasil, falar sobre testamento e morte ainda é um tabu. A maioria das pessoas evita pensar na própria morte — e menos ainda em planejá-la. No entanto, organizar sua partida e definir como seus bens serão distribuídos pode ser uma grande ajuda para quem fica e precisa lidar com questões burocráticas e sucessórias. No fim das contas, fazer um testamento é mais um ato de continuidade do que o encerramento de uma vida.
Neste sentido, vejo um enorme potencial de mobilizar doações via testamento no Brasil por diversos motivos. Em primeiro lugar, estamos nos tornando um país mais velho. De acordo com o último censo, a população com 60 anos ou mais quase dobrou em 23 anos, passando de 15,3 milhões para 33 milhões de pessoas. E a projeção do IBGE é que, em 40 anos, esse grupo represente quase 38% da população total brasileira.
Outro fator relevante — possivelmente impulsionado pela pandemia de COVID-19 e pela intensificação do pensamento sobre a morte — foi o crescimento no número de testamentos registrados nos últimos três anos. Só em 2023, segundo o Colégio Notarial do Brasil, foram registrados quase 34 mil testamentos: o maior volume da história.
Apesar desses dados animadores, ainda enfrentamos alguns desafios no que se refere a mobilizar doações testamentárias. O primeiro deles é a escassez de informação sobre o tema. Muitas pessoas têm mais dúvidas do que respostas, e a ausência de conteúdo claro é um entrave. Iniciativas como a campanha “Remember a Charity in your Will“, no Reino Unido, que reúne mais de 200 organizações em um movimento nacional de conscientização, mostraram resultados expressivos. No Brasil, as organizações da sociedade civil podem — e devem — abordar esse tema de forma ética, respeitosa e inspiradora. Campanhas nacionais podem ser aliadas no fortalecimento da cultura de doação via testamento, promovendo conversas importantes dentro das famílias brasileiras.
Outro desafio importante é o nível de confiança dos brasileiros nas organizações da sociedade civil. Segundo o Edelman Trust Barometer — estudo global que mede os níveis de confiança em diversos setores —, apesar de a confiança nas ONGs brasileiras ter atingido seu pico em 2022, ela tem apresentado leve queda nos anos seguintes. A pesquisa mais recente indica que 44% da população ainda não confia nesse setor, o que dificulta o estímulo às doações testamentárias. Para doar é preciso confiar. Neste sentido, acredito que organizações sociais precisam comunicar mais e melhor o impacto do seu trabalho. O que vemos com frequência na mídia são as exceções sendo apresentadas como regra e é necessário mudar essa narrativa.
Ainda assim, os dados são animadores. A última edição da pesquisa Doação Brasil apontou que 36% dos brasileiros fizeram doações diretas para ONGs, e 93% afirmam que poderiam passar a doar. Esses números indicam que há espaço para avançar: mais pessoas estão envelhecendo com consciência e com o desejo de causar impacto positivo.
Acredito que promover maior colaboração entre as organizações a fim de levar mais informação para a população em geral, trabalhar para fomentar a cultura de doação e a confiança no terceiro setor são passos importantes para transformar doações via testamento em algo possível no Brasil. Fazer uma doação via testamento é como plantar um baobá: uma ato de generosidade que atravessa o tempo. Assim como essa árvore se torna um símbolo de força, abrigo e vida por muitas gerações, o ato de deixar uma doação via testamento deixa um legado de vida que ultrapassa a existência. Que tenhamos mais baobás no Brasil.
Fonte: doar.org.br