Mulheres têm menos tempo livre do que os homens

Sobretudo quando são mães ou casadas

Nas últimas três décadas, as mulheres brasileiras alcançaram importantes conquistas e modificaram substancialmente o seu cotidiano, tanto na esfera pública quanto na privada. Elas foram incorporadas massivamente ao mercado de trabalho, de modo a aumentar a proporção de mulheres em cargos de liderança social, empresarial e política, e elas são maioria no sistema universitário nacional.

A influência de uma ideologia patriarcal que situa homens e mulheres em posições essencialmente opostas tem sido diariamente colocada em xeque. A realidade demonstra, no entanto, que ainda que novos caminhos estejam sendo traçados por meio da luta e da voz ativa de muitas mulheres, a origem sexista dos deveres conjugais contribui com quadros de desigualdade de gênero.

Em que medida as demandas femininas estão sendo traduzidas em mudanças na sociedade?

Pesquisa do instituto Market Analysis revela que, apesar dos avanços, ainda persistem fortes desequilíbrios nos benefícios e nas conquistas usufruídos por homens e mulheres. O estudo investigou o tempo livre e sua relação com as responsabilidades parentais. Homens e mulheres foram questionados sobre quanto tempo livre têm, desconsiderando suas atividades e responsabilidades no dia a dia. Os homens declaram ter muito ou algum tempo livre com maior frequência que as mulheres (58% e 49%, respectivamente). Essa diferença já pode ser considerada significativa, mas um olhar mais aprofundado desse cenário demonstra que o casamento e o cuidado dos filhos intensificam esse desequilíbrio, corroborando ainda mais com uma perpetuação dos estereótipos.

Para os homens solteiros, a paternidade parece não alterar rotinas de responsabilidades nem sua percepção de tempo livre. De fato, a proporção de homens solteiros que declara ter muito ou algum tempo disponível é de 64% para quem não tem filhos, e de 65% para quem tem. Já para as mulheres, a maternidade carrega mais responsabilidades: há redução de 21% na proporção de mães que declaram ter muito ou algum tempo livre em comparação às mulheres sem filhos. Quando casadas ou morando com parceiro, as mães estão ainda mais ocupadas: 60% têm pouco ou nenhum tempo livre, enquanto apenas 45% dos homens casados com filhos dizem o mesmo.

Em resumo: as responsabilidades parentais não parecem ser compartilhadas ainda de modo que se alcance, de fato, um cenário de igualdade entre os sexos.

A diferença na disponibilidade de tempo é mais aguda entre homens e mulheres com idades entre 35 e 44 anos, ou seja, em pleno momento de realização profissional e amadurecimento das oportunidades de trabalho e autonomia. Enquanto 36% das mulheres nesta faixa etária declaram ter muito ou algum tempo livre, 57% dos homens com a mesma idade dizem o mesmo. É possível levantar a hipótese de que essa diferença também esteja associada a um desequilíbrio na divisão das responsabilidades com os filhos, uma vez que 79% das mulheres entrevistadas nessa faixa etária são mães. Além disso, segundo as Estatísticas do Registro Civil 2015, publicadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), 30,8% dos nascimentos em 2015 foram de mães entre 30 e 39 anos (em comparação a 22,5% em 2005).

Permanece também o dilema enfrentado pelas mulheres entre atender às responsabilidades da vida profissional ou focar nos cuidados maternos e da organização da vida familiar. O estudo explora as diferenças entre pais e mães integrados ao mercado de trabalho. Apenas 3 em cada 10 mulheres que trabalham fora e têm filhos consideram ter muito ou algum tempo livre. Já entre os homens na mesma situação, 5 em cada 10 declaram o mesmo, ou seja, os homens têm quase o dobro de disponibilidade de tempo livre, levando a discussão sobre discriminação de gênero para o âmbito do lazer e do ócio, essenciais para o equilíbrio emocional e cognitivo. Em outras palavras, a junção de maternidade e inclusão feminina no mercado profissional, ao invés de ser um motor para a realização pessoal, agiganta a vantagem masculina na disposição de tempo para si mesmo.

A proporção de homens com filhos (pais) que trabalham e declaram ter algum ou muito tempo livro é 61% maior que a de mulheres com filhos (mães).

A proporção de homens com filhos (pais) que não trabalham e declaram ter algum ou muito tempo livre é 45% maior que a de mulheres com filhos (mães).

A pesquisa também aborda como o tempo livre é usado pelas mulheres, e aponta diferenças substantivas. Estar conectada à internet e manter-se ativa nas redes sociais é a atividade mais mencionada entre as mulheres no geral. Porém, observam-se diferenças consideráveis nas escolhas que demandam maior ou menor interação da mulher com o meio e a sociedade. Assistir televisão no tempo livre é a preferência de 48% das mães, enquanto apenas 29% das mulheres sem filhos mencionam essa prática. Passear sozinha também é uma atividade preferida entre as mães (6%), em comparação às mulheres sem filhos (1%). As mães tendem, no geral, a preferir atividades mais solitárias, enquanto mulheres sem filhos escolhem atividades mais sociais, como passear e encontrar-se com amigos com mais frequência. Ou seja, dentro do universo feminino, a maternidade está associada a uma redução do tempo livre e de seu uso social, o que intensifica as desigualdades de gênero.

Muitos outros fatores formam o conjunto de práticas que ainda mantém e confirmam as disparidades entre mulheres e homens na sociedade, porém o tempo figura como principal recurso individual não renovável, e o lazer como fundamental para o viver social. Nesse sentido, o tempo livre é considerado ainda um direito social e um dos indicadores de qualidade de vida, não somente promotor de igualdade entre gêneros.

Tal compreensão seria ideal para que haja mais conscientização e para que as mulheres possam de fato gozar de tal recurso com a liberdade, criatividade e o protagonismo que lhes cabe.

Sobre a pesquisa

Pesquisa realizada por meio de entrevistas on-line com 1.019 respondentes de 128 cidades de grande e médio portes. Homens e mulheres com 17 anos de idade ou mais, pertencentes a todas as classes socioeconômicas, foram entrevistados entre os dias 23 de novembro e 4 de dezembro de 2017. Cotas cruzadas de idade, sexo e classe social foram estabelecidas para garantir a representatividade de todos os grupos demográficos na amostra. Os resultados foram ponderados para refletir a população de brasileiros residentes nas cidades de médio e grande portes do país.

Fonte: filantropia.ong

//]]>