Coalizão global lança movimento para incentivar maior preocupação socioambiental de empresas

Além da pandemia do novo coronavírus, 2020 tem sido palco de inúmeras discussões sociais, econômicas e políticas. Duas que têm transitado em diferentes meios são a equidade racial e as mudanças climáticas. Tratam-se de dois desafios diferentes, mas que, se analisados sob uma ótica econômica, podem encontrar um agravante comum.

O sistema econômico vigente prioriza o acúmulo do lucro acima do bem-estar social e ambiental. Isso significa que receberá mais atenção aquilo que oferecer maior retorno financeiro. Não é difícil deduzir que, nessa toada, habitats naturais estão sendo desmatados e injustiças sociais continuam acontecendo e se multiplicando – inclusive com a prática de crimes motivados por racismo e machismo. 

Para mudar essa realidade, um conjunto de organizações – B Lab, The B Team, Chief Executives for Corporate Purpose (CECP), Conscious Capitalism, Coalition for Inclusive Capitalism e Just Capital – criou a Imperative 21, uma coalizão global com a visão de que “a economia nunca estará funcionando em seu pleno potencial de geração de valor para as pessoas e para o planeta em um sistema em que os incentivos e a cultura vigente não estão alinhados a uma visão mais sustentável”. 

No Brasil, a coalizão é formada por Sistema B, Capitalismo Consciente Brasil, Akatu, Instituto Ethos e Rede Brasil do Pacto Global e conta com o apoio de organizações como B3, SITAWI Finanças do Bem, Gerdau, Grupo Gaia e outras. 

Ao todo, são mais de 72 mil empresas em 80 países e 150 indústrias, reunindo mais de 18 milhões de funcionários, U$ 6,6 trilhões em receitas e U$ 15 trilhões em ativos sob gestão. Com tamanho alcance, a coalizão criou a campanha Redefina o Capitalismo, com o objetivo de promover uma economia mais justa, que funcione para todos, em longo prazo e centrada na interdependência em detrimento do individualismo. 

Francine Lemos, diretora executiva do Sistema B Brasil, defende que o foco total no lucro dos acionistas, uma das premissas do capitalismo, não faz mais sentido no mundo de hoje, o que foi ainda mais escancarado pela pandemia de Covid-19. “A principal ideia da campanha é mobilizar o empresariado e a sociedade civil em torno dessa discussão e mostrar como empresas podem começar a mudar essa mentalidade na prática, inclusive com ferramentas que as permitam quantificar seu impacto com essas mudanças em seus programas de gestão”, explica. 

Interdependência em sociedade 

Para que as mudanças sejam possíveis, não se trata de criar um novo sistema econômico, mas sim de redefinir o que está vigente. Isso deve ser feito a partir de três pilares, os denominados imperativos. “Essa equação prova que somente a soma de todos pode gerar uma sociedade melhor”, explica Francine. 

Em ‘Crie com Interdependência’, a proposta é promover uma abordagem que reconheça a interdependência entre pessoas, planeta e as economias; que equilibre as relações entre o setor privado, o governo e a sociedade civil; e que garanta que todos tenham acesso a oportunidades seguras e justas no mercado. 

Durante os protestos organizados no âmbito do movimento Black Lives Matter (BLM), que ganhou notoriedade depois do assassinato de George Floyd pela polícia dos Estados Unidos, circularam pelas redes alguns vídeos, imagens e relatos de pequenos grupos, em grande parte compostos por pessoas brancas, contrários ao movimento. Também é possível encontrar, no mundo todo, mulheres que se dizem não-feministas por associar o movimento a conceitos enviesados e superficiais. Nesse sentido, o imperativo reforça que, em uma sociedade, pessoas, organizações e empresas fazem parte de um todo. 

“O que queremos dizer é que não é mais possível considerar uma companhia como peça única e isolada de seu ecossistema. Ela precisa estar inserida em um contexto e colaborar e crescer com ele. Como continuar sua vida enquanto ao seu lado outros sofrem repressão ou preconceito? Essa é a ideia: inserir a empresa dentro de um todo e mostrar que ela é uma peça-chave para a transformação. Para que o mecanismo continue rodando, todas as outras peças têm que estar em harmonia”, afirma Francine. 

Essa visão conecta-se ao segundo imperativo, que diz respeito ao investimento em mudanças estruturais por todas as organizações e empresas que aderirem ao movimento. Isso significa promover um sistema econômico que elimine a desigualdade estrutural, garanta que os cargos de liderança e as empresas sejam mais inclusivas, que o investimento em negócios de impacto seja mais acessível, use a tecnologia para promover ideais democráticos e a favor dos direitos humanos e que amplifique a voz, empodere e crie oportunidade para aquelas pessoas, grupos e populações marginalizadas.

Por fim, o terceiro âmbito de mudanças está relacionado à multiplicidade de stakeholders, ou seja, o movimento de envolver todas as partes interessadas, com a criação ou adaptação de um sistema econômico que meça o sucesso com base em métricas comuns de criação de valor sustentável para todos. Para Francine, o conceito está relacionado à visão que a empresa deve ter sobre o impacto que causa, questionando o preço do lucro gerado. 

“De que adianta gerar lucro ao acionista em cima de um salário que não permite ao seu colaborador ter uma vida digna? Ou ainda, vender um produto cujo descarte cause sérios problemas ambientais e cuja fabricação use uma matéria-prima escassa ou tóxica? São esses questionamentos que precisam estar na cabeça de todos, tanto empresários quanto consumidores. O lucro em uma sociedade cheia de desigualdade, com uma operação que degrade o meio ambiente, não é sustentável e duradouro”, completa.  

Todas esses parâmetros significam, por exemplo, que cada vez mais empresas devem empreender ações, projetos e programas direcionados a diversificar seu quadro de funcionários e incluir jovens, mulheres, pessoas com deficiência, negros e negras, inclusive em posições de liderança e tomada de decisão.

O que fazer?

Diversas ações já foram empreendidas durante o lançamento da Imperative21 para atrair cada vez mais atenção à necessidade de mudanças por parte das empresas, como as projeções de vídeos na bolsa de valores de Nova York e também na Avenida Paulista, em São Paulo. 

A campanha almeja envolver aqueles que já estão mais avançados no caminho das mudanças e os que ainda buscam entender melhor o que pode ser feito. Para essas empresas, a coalizão oferece um conjunto de ferramentas e recursos gratuitos com o objetivo de apoiar a criação de ações significativas. De acordo com Francine, o uso de ferramentas de diagnóstico de impacto social, ambiental e de governança constituem o primeiro passo para saber como e onde agir. 

Para apoiar o imperativo ‘Crie com interdependência’, serão disponibilizadas ferramentas como o SDG Action Manager, desenvolvida por Pacto Global e B Lab, que mede as ações das empresas sob a ótica dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e indica possíveis interseções e a possibilidade de associação à comunidade de empresas Capitalismo Consciente Brasil

Para investir em mudanças estruturais, o Imperative21 indica o CoVida20, um programa de financiamento para negócios de impacto que estejam comprometidos com a manutenção de emprego e renda durante a Covid-19, e a adesão ao movimento Seja Antirracista, manifesto assinado por 350 empresas e mais de 42 mil pessoas para enfrentamento ao racismo. 

Por fim, para garantir que todas as partes interessadas estejam assistidas pelo negócio, a coalizão indica a Avaliação de Impacto B, usada para medir o impacto socioambiental das empresas.  

Por: Gife

Fonte: gife.org.br

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