ARTIGO: ONGs X Covid-19: o justificável descumprimento de metas e resultados

O novo coronavírus, que desde fevereiro tem assolado o mundo, acabou não apenas mudando uma série de hábitos das pessoas, mas também tornou imperativo aos gestores das organizações da sociedade civil conhecerem aspectos legais benéficos às entidades que representam. Este papel geralmente é desempenhado por assessorias jurídicas especializadas.

O Marco Regulatório do Terceiro Setor (Lei nº 13.019/2014) acabou ganhando força de acordo com esta nova mentalidade. A legislação instituiu um novo regime jurídico nas relações entre a administração pública e as ONGs, criando um ambiente juridicamente mais seguro e confiável, norteando a mútua cooperação para a realização de finalidades de interesse público e recíproco.

Diante desta premissa, em tempos de pandemia, dois dispositivos da Lei nº 13.019/2014 chamam a atenção para a sua aplicabilidade em momentos de crise e de paralisação das atividades das organizações sociais.

O primeiro desses é o art. 55, parágrafo único, segundo o qual “… A prorrogação de ofício da vigência do termo de colaboração ou de fomento deve ser feita pela administração pública quando ela der causa a atraso na liberação de recursos financeiros, limitada ao exato período do atraso verificado.”

Em períodos conturbados como este, trazido pela Covid-19, boa parte dos recursos será justamente transferida para ações de saúde, embora a sociedade também necessite de ações de assistência social, em especial as pessoas mais vulneráveis.

Assim, com o foco da administração pública em ações de saúde, a liberação dos recursos destinados às parcerias com ONGs que possuem como objeto atividades ou projetos nas áreas da assistência social ou educação pode sofrer atraso.

Quando direcionados, os recursos acabam sendo repassados em desconformidade com o cronograma previsto no termo de colaboração ou fomento e mesmo no plano de trabalho que norteia a parceria celebrada.

Nos casos em que isso ocorrer, deverá a administração pública prorrogar, de ofício, a vigência da parceria pelo mesmo período do atraso.

Parcerias regidas pela Lei nº 13.019/2014 têm como regra de controle a verificação do cumprimento de metas e resultados. Ocorre que, havendo atraso no repasse, certamente ocorrerá o comprometimento das metas e dos resultados previstos para a parceria. Por tal razão, quis o legislador conceder maior prazo para a organização da sociedade civil desenvolver sua política social.

No entanto, existe a possibilidade de a OSC, mesmo com a prorrogação do prazo, não conseguir cumprir as metas e os resultados previstos no plano de trabalho. Nesse caso, o parágrafo 1º do artigo 64 socorrerá essas entidades, pois “Serão glosados valores relacionados a metas e resultados descumpridos sem justificativa suficiente.”

Afinal, no presente momento, há uma justificativa suficiente para o descumprimento das metas e dos resultados. Que fique claro: não defendemos o descumprimento dos termos contidos nas parcerias firmadas com a administração pública.

Este artigo tem como objetivo proporcionar às organizações da sociedade civil informações sobre os seus direitos, inclusive, em relação à impossibilidade de haver, por parte do poder público, glosa à determinação de restituição de valores aos cofres públicos, quando for justificável o descumprimento de metas e resultados.

O legislador, prevendo que fatores externos ao controle da organização da sociedade civil pudesse comprometer a execução do objeto da parceria, fez constar tal regra na lei. Agiu acertadamente.

Por fim, neste cenário de pandemia, se torna ainda mais fundamental às OSCs entenderem o alcance e os limites da lei, processo que as fortalecerá gradualmente, tornando-as aptas a lutar por seus direitos.

O Terceiro Setor, neste delicado momento vivido pela sociedade, ganha a relevância e o reconhecimento social que efetivamente merece.

Fonte: filantropia.ong

Por: Guilherme Reis e Renata Lima 

Guilherme Reis e Renata Lima são advogados especializados no Terceiro Setor, sócios do escritório Lima & Reis Sociedade de Advogados, sediado em Belo Horizonte (MG). Ambos são coautores dos livros “Imunidade Tributária para o Terceiro Setor” e “Imunidade Tributária das Contribuições para o Terceiro Setor”, lançados pela Rede Filantropia.

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