Desde sua criação em 2016, a Rede Temática (RT) de Investimentos e Negócios de Impacto do GIFE vem se constituindo como porta de entrada do setor do investimento social privado (ISP) e da filantropia ao campo dos investimentos e negócios de impacto, estabelecendo-se como espaço de diálogo e conexões entre os diversos atores.
O ano de 2020 projetava inúmeras oportunidades para a expansão dessas conexões – como o Congresso GIFE e o Fórum de Investimentos e Negócios de Impacto, só para citar dois grandes eventos relevantes de ambos os setores -, além de um processo de franca expansão da agenda de impacto em todas as regiões do Brasil.
Assim como a todos os setores da sociedade, a pandemia de Covid-19 também trouxe desafios à confluência entre ISP e negócios de impacto, bem como um cenário de fragilização de empreendimentos e organizações intermediárias do ecossistema de impacto, que de uma hora para outra se viram diante de um cenário de queda das receitas e doações, congelamento dos investimentos e interrupção de atividades.
Esse foi o campo de observação do estudo Cenários e tendências sobre o campo de negócios de impacto e intermediários frente à COVID-19. Inspirada no mapeamento de iniciativas de combate à Covid-19 iniciado pela ponteAponte logo após a confirmação da pandemia no Brasil, a RT encomendou um novo estudo, dessa vez especificamente sobre o campo de impacto, a fim de ter uma compreensão mais clara dos desafios que possibilitasse a construção de cenários e a projeção de caminhos em face do contexto de crise sanitária e econômica. O projeto foi coordenado e financiado pelo Instituto Sabin, Instituto Humanize e pelo Instituto da Cidadania Empresarial (ICE), coordenadores da Rede Temática.
A expectativa é que o relatório possa trazer reflexões e inspirações, mas, sobretudo, um convite à ação voltada à ampliação, qualificação e fortalecimento dos negócios de impacto no país, o que também pressupõe valorizar a relevância das organizações intermediárias do ecossistema.
Sustentabilidade financeira se destaca entre os desafios
O estudo mostrou um aparente ‘congelamento’ na tendência de aumento no volume de recursos investidos em negócios de impacto e intermediárias apontada pelo último Censo GIFE (2018) em relação à edição anterior.
Para Vanessa Prata, sócia-fundadora da ponteAponte, isso pode ser explicado pelo redirecionamento de recursos para ações emergenciais frente ao cenário de pandemia. “O estudo mostra poucos recursos do investimento social privado sendo direcionados aos negócios de impacto nesse período, ao passo que OSCs [organizações da sociedade civil] e movimentos sociais ganharam relevância por sua atuação nos territórios”, observa.
Entre as 106 iniciativas mapeadas, 63 tinham negócios de impacto como público-alvo parcial (incluindo outros públicos) ou prioritário (onze apenas, nesse último caso). Das 63, 42 eram lideradas por negócios de impacto, com foco sobretudo nas populações mais vulneráveis e/ou sociedade em geral, 15 por intermediárias e 10 por redes ou coletivos.
Cerca de 50% das ações mapeadas envolviam recursos financeiros. 99% do total desses recursos (R$ 54 bilhões) estão vinculados a iniciativas lideradas por órgãos públicos ou mistos. Apenas R$ 13 milhões foram direcionados prioritariamente a negócios de impacto e/ou intermediárias.
“Para que muitos negócios de impacto e intermediários possam atravessar esse período de crise é cada vez mais importante acesso a capital filantrópico e a capital paciente, especialmente no caso de organizações em estágios mais iniciais, que ainda não têm um fluxo de caixa ou um fundo mais robusto para enfrentar alguns meses sem entrada de receitas”, observa Vanessa.
Futuro projeta desafios, mas abre janela de oportunidades para a consolidação do campo
A leitura do relatório aponta um cenário pessimista no curto prazo (até setembro/20), ensaiando recuperação no médio prazo (out/20 a mar/21), com perspectivas otimistas somente após março de 2021 para o ecossistema de investimentos e negócios de impacto.
Marcado pelo forte impacto negativo da queda de recursos e interrupção das atividades, o curto prazo sustenta oportunidades apenas à parcela do campo que atua na área de healthtech, além de gestores de fundos filantrópicos, plataformas de crowdfunding e negócios de impacto com canal de vendas online estruturado ou que conseguiram se adaptar às medidas de distanciamento social, por exemplo.
No médio prazo, o estudo prevê um período de transição para um cenário neutro, com diminuição de recursos em virtude da crise, desafios de readequação, fechamento de intermediárias e endividamento de negócios, porém com uma tímida retomada de crescimento em 2021.
Nessa etapa, estão previstas algumas oportunidades, como surgimento de mais negócios de impacto, maior sensibilização e engajamento do setor privado, aumento de sensibilização à agenda de impacto, políticas públicas estruturantes, aumento de doadores/financiadores e fortalecimento dos negócios que resistirem ao primeiro período da crise.
Após março de 2021, um cenário mais otimista ensaia um reposicionamento dos negócios de impacto nas carteiras e portfólios e também no debate acerca da recuperação econômica e do próprio modelo de economia, com vistas a uma abertura maior a esses atores em razão do aumento da pobreza.
Vanessa afirma que, ainda que as oportunidades no curto prazo sejam mais focadas em algumas áreas e setores específicos ou em determinados tipos de organizações, no médio e no longo prazo há oportunidades para os negócios de impacto que conseguirem resistir ao primeiro período da pandemia, inclusive se reinventando.
“Um caminho possível passa pela construção de uma nova narrativa para o ecossistema, que apresente os negócios de impacto e intermediárias como parte integrante da sociedade civil e da reconstrução econômica e mesmo de um novo modelo de economia”, defende.
Fonte: gife.org.br